O Cantinho da Flauta: A respiração e a flauta

A respiração não é só respiração ou fôlego, é sobretudo postura e interface. Gosto muito desta imagem, a grande flauta contrabaixo em sol permite apreciar a correcta inclinação entre o corpo e o instrumento. Alguns alunos principiantes costumam ir levantando a flauta com o braço direito. Que excelente indicador de tensão muscular !!! Pois é, a tensão propaga-se e altera a postura, restringindo-a, a própria capacidade respiratória também é diminuída, logo a precisão do gesto artístico. A respiração é a válvula de reequilíbrio do tónus corporal (grau de tensão).

Qualquer aprendizagem de uma técnica é uma questão de percepção, repetição e controlo. Muita ênfase é feita na repetição de exercícios, o que para maioria dos alunos é uma repetição cega. Nada é investido na consciencialização do tónus que alimenta essa repetição, por isso, muitas vezes a prática de escalas e exercícios trás o embotamento perceptivo e a desorganização ou destruição do tónus que os assiste. Enfim, uma maçada !!! O resultado final é um baixo rendimento do esforço de estudo e da consciência final dos automatismos adquiridos, útil quando pretendemos ensinar os outros, por exemplo. A repetição cega seria admissível se fossemos animais de circo ou o cão de Pavlov, mas nunca para seres humanos, em especial, a partir da pré-adolescência. Deste modo, matamos a arte e damos as boas-vindas à ginástica, de acessibildade errónea, sem riqueza, sentido ou valor espiritual (valor artístico).

O ar pressupõe troca (gases) e via de comunicação, pois todos respiramos o mesmo ar. A troca relevante é com o universo (o Todo) e com os indivíduos (no particular). Com o universo, a separação é uma ilusão, com as outras pessoas, tentamos ser entendidos e entender.

Estar satisfeito ou não com algo, origina quase sempre uma reacção respiratória. Há vários tipos: suspiros de alívio ou tristeza, soluços, gritos, a fala, para nomear alguns.

A má colocação do ar é sinónimo de respirar com o alto.

A respiração pode ser parcial ou completa.

A respiração completa envolte 3 partes:

o ventre (o baixo)
o afastamento das costelas inferiores, à frente (o médio)
a pequena elevação do manúbrio* (o alto)

* parte superior do osso esterno

Há muitas explicações do modo correcto para respirar. Seja lá o que já tiver ouvido, inspirar deve funcionar do mesmo modo que a água enchendo uma garrafa:

preenche-se o espaço de baixo para cima;
exercendo pressão nas paredes laterais, de dentro para fora;
esta pressão é tanto maior quanto mais elevada fôr a rapidez da inspiração.

Vulgarmente, as pessoas respiram desadequadamente, reflectindo o estado de equilíbrio entre pressões exteriores e interiores ao indivíduo. Executar música exige grande domínio da respiração completa, não por falta de ar para assoprar, longe disso, a razão tem novamente a ver com a percepção do corpo, do espaço e do tempo. Funciona como o botão do volume num rádio, varia e controla o nosso tónus, estado emocional e o relaxamento. Por outro lado, oferece as ferramentas ideais para recriar as ilusões perceptivas da execução musical.

Estudar arte é aprender a usar e controlar Estados Alterados de Consciência (EAC) de modo criativo. A energia é vibração e dão origem a "formas". A energia está onde e como se coloca a Mente, já o referiam os sábios orientais antigos (taoísmo, budismo). A respiração consegue acelerar ou retardar o ritmo corporal, focando e projectando a Mente, à semelhança de uma lente fotográfica, para a sua realidade. O ritmo da pulsação está intimamente ligado ao cérebro humano e ao seu estado humoral, bem como a outros "filtros" perceptivos.

Na última década do séc. XIX, Oskar Vogt descobriu as ondas alfa (estado alfa) durante investigações para entender a relação entre a sensação de bem-estar e o hipnotismo. No séc. XX, o electroencefalograma tornou possível acompanhar com precisão os ritmos eléctricos entre o cérebro e as diversas emoções ou estados de consciência. A cada estado correspondem frequências típicas:

Ondas Beta: 30 Hz
Ondas Alfa: 13-30 Hz
Ondas Teta: 5- 12 Hz
Ondas Delta: 4 Hz e inferiores

Beta: pessoa muito nervosa ou em estado stress.

Alfa: Actividade normal (conversa, trabalho, pessoa calma).

Teta: patologias da afectividade (ex. cólera), meditação mística, sono (8 Hz).

Delta: sono profundo, estados de sofrimento cerebral, em coma (0,5 Hz).

Induzir Estados Alterados de Consciencia (EAC) não é coisa nova. Sempre foi usado como fonte de poder e magia, no processo religioso, político e no relacional. A ressonância gerada pelo vento em antigos locais sagrados produz ondas sonoras de muito baixa frequência, inaudíveis (1,5 Hz) a potências superiores a 150 decibéis, o que produz um efeito relaxante e hipnótico no corpo humano. Nestes locais, o xamã ou intermediário, com a ajuda de drogas alucinogénicas e música rompia a tela da realidade. A música aparece como parte do efeito hipnótico e também como produto improvisativo do ambiente. A música com padrões repetitivos levam o cérebro a sintetizar e a criar padrões perceptivos de baixa frequência, exemplo disso são os mantras hindus. Actualmente, a indução de EAC está de tal modo avançada que se faz confundir com a própria realidade, invertendo por completo o papel da ficção.

O simples estado de concentração é um estado hipnótico, tal como o é, qualquer grau obsessivo momentâneo e quotidiano ou uma característica mental no carácter de uma pessoa. É algo importante que deveríamos saber controlar, infelizmente, a palavra "hipnose" caiu na vulgarização e esvaziamento de conteúdo, prova de processos de indução de EAC.

O riso consegue descongestionar a energia do corpo, pois mexe profundamente com o diafragma (plexo nervoso). Tanto quebra um estado hipnótico como cria outro. Nós vivemos sob estados de consciência induzidos por nós ou que adoptamos de outros. Verifique se está no "Matrix" certo !!!

Estados de tranquilidade e paz interior baixam a frequência-base emitida pelo organismo. Estas ondas têm muita inércia e possuem mais estabilidade, pelo que induzem as ondas de maior frequência a entrar em fase com ela, modelando-lhes a frequência. Explica porque uma pessoa calma e equilibrada pode influenciar e ajudar outras pessoas, num estado mais desequilibrado, através do seu campo subtil de ressonância.

Quando uma frequência-base entra em ressonância com múltiplos de si mesma (2, 3x ou ½, ¼) criam-se estados harmónicos que reforçam este microcosmos de frequências ressonantes. Tal acontecimento explica, seguramente, porque razão algumas pessoas gostam tanto da determinadas companhias em detrimento de outras. Esta sintonia pode ser momentânea ou durar uma vida inteira, é tudo uma questão de estados de consciência (opções), quer seja a curto ou a longo prazo. O problema é ficar preso num EAC e nunca mais conseguir sair, seja no papel de mero cidadão, como no de artista, amante, pensador, etc, para nomear algumas situações.

Mestres místicos e pessoas com grande desenvolvimento espiritual têm uma postura de paz de espírito e uma conduta altruísta perante a vida, falam de uma estabilidade interior, uma típica atitude taoísta de não-acção, como sendo de frequência baixa. Mais baixo, mais inércia, mais estabilidade. Sessões que impliquem a tomada de consciência do corpo provocam grande relaxamento e fazem baixar a frequência basal, a nossa percepção fica mais apurada.

Uma frequência mais elevada emitida pelo corpo, tem relação com o modo de usar o cérebro. Em geral, uma dominância esquerda significa uma atitude de atributos masculinos, o nosso lado consciente e activo. Uma frequência mais baixa liga-nos à expansão do inconsciente e do intuitivo (espaço-tempo diluem-se). Esta dualidade está bem presente na especialização hemisférica humana. Talvez esteja aqui a explicação para a vasta sabedoria dos antigos, desde os seus calendários, aos seus mitos e ao entendimento da nossa real natureza.

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